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quarta-feira, 21 de agosto de 2013

PERIGO: A DILUIÇÃO DO MÉRITO COMO FATOR PRIMORDIAL DO SUCESSO




Professor José Goldemberg
 

"PERIGO: A DILUIÇÃO DO MÉRITO COMO FATOR PRIMORDIAL DO SUCESSO"

 
Às vezes eu temo soar como um disco quebrado aqui nestes meus PENSAMENTOS semanais. Digo isso com respeito às mazelas principais que afligem o nosso país na minha modesta opinião, a política falida de massificação do ensino dos últimos 10 anos, a falta de seriedade imersa na cultura Brasileira,  a consequente associação do sucesso ao aproveitamento do próximo, e a maneira sempre jocosa pela qual refere-se ao mérito comprovado e à competência demonstrada, motivos de chacotas irreverentes e piadinhas irresponsáveis. Tudo isso levando a uma diluição do mérito como fator primordial do sucesso.
 
Não vou aqui repetir textos passados desta coluna, e o leitor ou leitora que estiver interessado(a) pode pesquisa-los no meu blog: www.pensamentoscs.blogspot.com  Mas de quando em quando, como aconteceu há algumas semanas nesta coluna intitulada "ACORDA, BRASIL!... DIZ UM ECONOMISTA EXPERIENTE" em relação ao economista Ricardo Amorim, é sempre confortante quando vemos uma personalidade de destaque concordar com as nossas posições. E com relação ao tema desta semana, isso aconteceu novamente, agora em relação ao eminente Físico Brasileiro José Goldemberg, Professor Emérito da Universidade de São Paulo (USP), Reitor da USP (1986-90), Secretário Federal de Ciência e Tecnologia (1990-91), Ministro da Educação (1991-92), e recebedor da Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico (1995). Quando frequentei a Escola Politécnica da USP (1967-71), tive o privilégio de ser aluno do Professor Goldemberg na cadeira de Física. Vejam-no discorrer sobre o tema em questão em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo em 19/08 p.p.:
 
Suficiente já foi dito sobre as propostas de plebiscito, democracia direta e outras que foram feitas pelo Poder Executivo em respostas às grandes manifestações populares de junho. Várias delas são notoriamente atabalhoadas e demagógicas e, felizmente, estão sendo gradativamente abandonadas, à medida que o bom senso se impõe. Há, porém uma consequência duradoura e deletéria da orientação política geral que se implantou há cerca de dez anos no País, que é a de tentar agradar a todos os setores da sociedade e cooptá-los em nome do sucesso eleitoral e da permanência no poder.
 
O que é alarmante é esse comportamento estar atingindo agora as melhores universidades brasileiras. Ora são cotas de diversos tipos para ingresso nas universidades públicas para compensar discriminações ocorridas no passado; ora são propostas de eleições diretas para dirigentes universitários, como se essas instituições de ensino superior fossem clubes recreativos ou sindicatos; ora é serviço civil obrigatório para resolver os problemas do precário atendimento médico à população; ora a importação de médicos - e por aí vai.
 
O que tudo isso tem em comum é que tenta eliminar algo fundamental: a meritocracia. Isto é, que a aptidão ou o conhecimento sejam o critério principal do sucesso, quer na conquista de cargos de direção, quer na realização de trabalhos técnicos e científicos, no caso das universidades. A meritocracia foi uma das grandes conquistas da Revolução Francesa (1789-1799), em que foram eliminados os privilégios da aristocracia. O sucesso posterior de Napoleão Bonaparte como grande general deveu-se em grande parte à escolha de oficiais pelo mérito, e não por seus títulos de nobreza, como ocorria antes de 1789. É esse o significado da palavra igualdade na trilogia que caracterizou aquela revolução - liberdade, igualdade e fraternidade. O que se almejava na ocasião era igual oportunidade para todos.
 
A mesma característica têm as grandes escolas de ensino superior criadas na França pós-revolução, como a Escola Politécnica de Paris, a Escola Normal Superior e a Escola Nacional de Administração, que formam até hoje os quadros dirigentes franceses e nas quais o ingresso é feito exclusivamente pelo mérito. Vale a pena mencionar aqui que a ideia básica da meritocracia foi incorporada até por Karl Marx, ao esboçar como seria um mundo onde a exploração do trabalho pelo capital fosse eliminada: um mundo em que "cada um daria de acordo com suas habilidades e cada um receberia de acordo com suas necessidades".
 
A meritocracia é um princípio que sempre esteve presente no desenvolvimento da ciência, área em que ela é soberana e o uso de títulos e de poder nada pode contra a evidência. A História está cheia de episódios em que autoridades tentaram suprimir ou manipular a evidência científica. Todas essas tentativas falharam. As grandes universidades do mundo seguem o mesmo princípio e as brasileiras que pretendem atingir um nível comparável ao delas não poderiam adotar critérios diferentes.
 
O que está ocorrendo no Brasil, contudo, é que existem visões conflitantes dentro do próprio governo federal quanto ao papel das universidades públicas. Por um lado, o governo cria programas de incentivo à inovação tecnológica, promove estágios no exterior por meio do programa Ciência sem Fronteiras e de outros que se destinam a melhorar o desempenho das universidades, essencial para aumentar a competitividade econômica do País. Por outro, cria cotas sociais e raciais, que no curto e no médio prazos tendem a baixar o nível dessas universidades, que já deixam a desejar em muitas áreas. 
 
Introduzir cotas nas universidades públicas brasileiras como instrumento para compensar/corrigir discriminação racial ou social pode ser mais fácil e menos oneroso do que resolver o problema fundamental, que é tornar o ensino médio melhor, o que daria mais oportunidades aos estudantes de menor renda. Mas essa é uma falsa solução. O que a experiência nacional e internacional da introdução de cotas nas universidades nos diz é que elas não garantem que os alunos cotistas tenham o desempenho esperado, encorajam a evasão e, em particular nas áreas mais competitivas (medicina, engenharia e direito), podem levar a uma redução da qualidade dos cursos.
 
Além disso, estabelecem um novo tipo de discriminação: contra o branco pobre (em relação ao negro pobre) e contra o pobre (branco ou negro) cuja família economizou para mandar o filho à escola privada a fim de prepará-lo melhor para os vestibulares. Há um documento recente sobre Ações Afirmativas nas Universidades Brasileiras, preparado pela Academia de Ciências do Estado de São Paulo, que discute essas questões. 
 
Outro problema é a gestão das universidades públicas, ameaçada pela escolha de reitores por eleições diretas. Universidades têm autonomia didática, científica e administrativa, como determina o artigo 207 da Constituição da República, mas não são soberanas, sendo fundamental que não percam de vista os interesses gerais da sociedade. A eleição direta de reitores pela comunidade universitária implica sério risco de tornar as universidades prisioneiras de demandas corporativas. Essa é a razão por que os reitores são escolhidos pelos governadores dos Estados nas universidades estaduais e pela presidente da República no caso das federais, em listas preparadas pelos conselhos universitários, nos quais os professores titulares são a maioria e os alunos e funcionários estão amplamente representados. Introduzir eleições diretas cria também o não menor risco de as universidades deixarem de cumprir suas funções básicas: o ensino, a pesquisa e a prestação de serviços à sociedade.”
 
A política assistencialista do governo federal dos últimos 10 anos já impingiu ao Brasil uma geração de preguiçosos incompetentes. Se não resgatarmos o significado do mérito comprovado e da competência demonstrada, e os restabelecermos como fatores primordiais do sucesso, estaremos colocando o último prego no caixão, a “pá de cal” no país do futuro que nunca chega. Boa semana a todos.

O autor é engenheiro, doutor em ciência da computaçao, professor universitário, e pode ser contactado através do e-mail claudio.spiguel@gmail.com).
(PENSAMENTOS No 26/2013 – Jornal da Região – ANO XX, No 1039 23/08/2013).

 

 

domingo, 11 de agosto de 2013

O RIO DE JANEIRO CONTINUA LINDO...




"O RIO DE JANEIRO CONTINUA LINDO..."

 
Vocês, meus leitores e leitoras, que me acompanham nestes meus PENSAMENTOS semanais, sabem que eu sou um critico ferrenho da administração que tomou conta de Brasília desde 2002. Faço o que todo Brasileiro que se preza deveria fazer: exigir competência e lisura de um govêrno fundamentalmente incompetente e corrupto. Faço isso também por ter sido acostumado também à competitividade de um pujante São Paulo como Paulista e Paulistano que sou, enfatizada pela competitividade extrema de um líder Estados Unidos como Americano que também sou, tudo isso polido pela política de um sábio Minas Gerais, que me adotou nos últimos dez anos.
 
Nas últimas tres semanas comentei sobre as recentes manifestações populares iniciadas na séria e competitiva São Paulo, deixando transparecer um pouco do desdém bem carioca dos manifestantes da cidade maravilhosa. Por tudo descrito, não é fácil ao Paulista (principalmente ao Paulista Americano Mineiro…) entender o Carioca, mas é preciso fazê-lo se se quer entender como os Brasileiros como um todo reagem às mazelas que afligem o seu país. Aí uma amiga Carioca fanática que mora em BH me enviou um texto escrito por um Paulista que, acho, nos ajuda bastante na tarefa. Aí vai:    
 
"E então eu parei o carro, puxei o freio de mão e pensei: “Cheguei em casa”. Faz 1 ano. Desembarquei com esposa, cachorro e umas malas. A mudança veio no dia seguinte. Levei 33 anos imaginando “como seria”, e agora tenho 1 pra contar “como foi”. O Rio de Janeiro é a minha Paris. Eu não sonho com a tal de torre, nem me importo com o Louvre e nem acho do cacete tomar café naquela tal de Champs-Élysées. Eu acho charmoso ir a praia de Copacabana, tomar cerveja de chinelo no leblon e ir a um samba numa grande escola.
 
Sou paulista, nunca tive rivalidade bairrista em casa. Nunca me ensinaram a odiar o estado vizinho, ao contrário, sempre me foi dada a idéia de que estando no Brasil, estou em casa. Ouvi mil mentiras e outras mil verdades sobre o Rio enquanto morei em São Paulo. Todas justas no final das contas. Carioca exagera tudo, pra baixo e pra cima. Se elogiar a praia, ele exalta dizendo que é “a melhor praia do mundo”. Se falar que é perigoso, ele não nega. Diz que é “perigoso pra dedéu”. Trata sua cidade como filho. Só ele pode falar mal. Cariocas não marcam encontro. Simplesmente se encontram. A confirmação de um convite aqui não quer dizer nada. Você sugere “Vamos?”, eles dizem “Vamo!”. O que não implica em ter aceitado a sugestão.
 
Hora marcada no Rio é “por volta de”. Domingo é domingo. E relaxa, irmão. Pra que a pressa? Em 5 minutos são amigos de infância, no segundo encontro te abraçam e já te colocam apelidos. Não te levam pra casa. Te convidam pra rua. É curioso. Mas é que a “rua” aqui é tão linda que se trancar em casa é desperdício. Cariocas andam de chinelo e não se julgam por isso. São livres, desprovidos de qualquer senso de sofisticação. Ao contrário, parecem se sentir mal num ambiente formal e de algum requinte.
 
“Porra” é um termo que abre toda e qualquer frase na cidade. Ainda vou a uma Igreja conferir, mas desconfio que até missa comece com “Porra, Pai nosso que estais…”. Cariocas são pouco competitivos. Eu acho isso maravilhoso, afinal, venho da terra mais competitiva do país. E confesso: competir o tempo todo cansa. Acho graça quando eles defendem o clube rival pelo mero orgulho de dizer que “o futebol do Rio” vai bem. Eles nem notam, mas as vezes se protegem. Eles amam essa porra. É impressionante.
 
Carioca é o povo mais brasileiro que há, mas que é tão orgulhoso do que é que nem parece brasileiro. Tem um sorriso gostoso, um ar arrogante de quem “se garante”. Papudos, malandros, invocados. Faaaaalam pra cacete. E sabem que estão exagerando. Eles acham que sabem o que é frio. Imagine, fazem fondue com 20 graus! A Barra é longe. Buzios, logo ali! Niterói é um pedaço do Rio que eles não contam pra turista. Só eles aproveitam. Nilópolis é longe. Bangu também. Madureira é um bairro gostoso. O Leblon, vale os 22 mil por metro quadrado sugeridos pelos corretores. Aliás, corretores no Rio são bem irritantes.
 
Carioca, num geral, acha que está te fazendo um favor mesmo se estiver trabalhando. É tudo absolutamente pessoal, informal. Se ele gostar de você, te atende bem. Se não, não. Tá com pressa? Vai se irritar. Eles não tem pressa pra nada. Sabe aquela garota gostosa que sabe que é gostosa? Cariocas sabem onde moram. O bairrismo deles é único. Nem separatista, nem coitadinho. Apenas orgulhoso. Ao invés de odiar um estado vizinho, o sacaneiam e se matam de rir de quem se ofende.
 
Cariocas tem vocação pra ser feliz. São tradicionais, não gostam que o mundo evolua. Um novo prédio no lugar daquele casarão antigo não é visto como progresso, mas sim com saudades. São folgados. Juram ser o povo mais sortudo do mundo. E quem vai dizer que não? No Rio você vira até mais religioso. Aquele Cristo te olha todo santo dia, de braços abertos. Não dá! Você começa a gostar do cara… E aí vem a sexta-feira e o dom de mudar o ambiente sem mexer em nada. O Rio que trabalha vira uma cidade de férias. As roupas somem, aparecem os sorrisos a toa, o sol, o futebol, o samba, o Rio.
 
Já ouvi um cara me dizer um dia que o “Rio é uma mentira bem contada pela mídia”. Ele era paulista, odiava o Rio, jamais tinha vindo até aqui. E é um cara esperto. Se você não gosta do Rio de Janeiro, fique longe dele. É a única maneira de manter sua opinião. Em quase toda grande cidade que vou noto uma força extrema para fazer o turista se sentir em casa. Um italiano em São Paulo está na Itália dependendo de onde for. Um japones, idem. Um argentino vai a restaurantes e ambientes argentinos em qualquer grande cidade. No Rio de Janeiro ninguém te dá o que você já tem. Aqui, ou você vira “carioca”, ou vai perder muito tempo procurando um pedaço da sua terra por aqui.
 
Não é verdade que são preconceituosos. É preciso entender que o carioca não se diz carioca por nascer aqui. Carioca é um perfil. Renato, o gaúcho, é um dos caras mais cariocas do mundo. Tem todo um ritual, um jeitinho de se aproximar. Chame o garçom pelo nome, os colegas de “irmão”. Sorria, abrace quando encontrar. Aceite o convite, mesmo que você não vá. Faça planos para amanhã, esqueça-os 10 minutos depois.
 
Faça amigos, o máximo de amigos que conseguir. Quanto mais amigos, mais cerveja, mais risadas, mais churrascos, mais carioca você fica. E quanto mais carioca você é, mais você ama o Rio. Como eles. Gosto deles. Gosto de olhar pra frente e não ver onde acaba. Gosto de sol, de abraço, de rir muito alto e de não me achar um merda por estar sem grana. Gosto de como eles se viram. Gosto da simplicidade e da informalidade que os aproxima do amadorismo. A vida não tem que ser profissional. Tem que ser gostosa. E de gostosa, convenhamos, o Rio tá cheio. Ops! Desculpa, amor! Escapou.”
 
Pois é… o Rio de Janeiro continua lindo… Boa semana a todos!

O autor é engenheiro, doutor em ciência da computaçao, professor universitário, e pode ser contactado através do e-mail claudio.spiguel@gmail.com).
(PENSAMENTOS No 25/2013 – Jornal da Região – ANO XX, No 1037 09/08/2013).